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Os passageiros abandonam a viatura e eu parto na busca de um lugar de estacionamento. Não tenho que esperar muito pelo desejado espaço, pois que mo é imediatamente indicado pelo enérgico esbracejar de um solícito Auxiliar de Acção Rodoviária. As manobras decorrem em perfeita segurança, coadjuvadas pelo Auxiliar, que transmite as suas indicações através de um eficaz apito. É surpreendente constatar como um apito consegue substituir a voz sem que a conversão implique qualquer perda de informação. O —Pode vir... Pode vir... Pode vir... Chega! é substituído por —Prri... Prri... Prri... PRRIP! Já o —Tá bom! é substituído com manifesto acréscimo de expressividade por um —PRRI! PRRRIIIiiIIIIP! PRRRIIIIP! PRRII!!! Após tão efusiva e competente intervenção, achei que ele merecia a moeda. Decidido, tirei a carteira do bolso e peguei na primeira moeda que me veio à mão. Dois Euros. Tudo bem que o raio o arrumador até se tinha portado bem, mas dois Euros são quatrocentos paus (e esta é uma das lapalissadas mais poderosas das finanças quotidianas). No entanto, já era tarde para me arrepender. Já era indisfarçável que eu tinha pegado numa moeda e não havia mais nenhuma na carteira, impossibilitando assim a desejada troca. Tendo a ver estas relações fortuitas entre condutores e arrumadores regidas por um código deontológico algo enviesado, daí não ter optado por não mentir dizendo que não tinha moedas. Isso estava simplesmente fora de questão. Se já tivesse encenado esse número desde o início, era diferente. Mas já tendo dado um passo em falso, não tive alternativa. Disse-lhe que estava com sorte e dei-lhe os dois Euros. Entregues as alvíssaras, afastámo-nos ambos do carro e em direcções opostas. Como é habitual, não trouxe tudo o que precisava e tive que retroceder, ficando assim ao Gestor de Zona no meu campo de visão. Afastava-se, mas estava a abrandar o passo. Finalmente parou e voltou para trás. —Ó chefe! Chefe! Era mesmo comigo. Os dois Euros eram manifestamente superiores ao valor do serviço prestado e o homem dirigia-se agora a mim para me dar o troco. Amistosamente, indagou: —Sabe com quem é que é parecido? Com o Toy! —C... Com o...? —Com o Toy! Dá-lhe ares, sim! Fiquei estarrecido. É nisto que dá ser um gajo porreiro. Se de súbito desenhei imagens de inpiração homicida com aquele apito pendente no peito do melómano, sosseguei-me com as melhores intenções da criatura. Não era por mal. Ele só queria agradecer os dois Euros, coitado. Não teve foi jeito para o fazer, mais nada. E em vez de ficar calado, não consegui sublimar a comparação ainda mal digerida senão dando mais conversa ainda. —Com o Toy... Quando era miúdo chamavam-me Pietra1. Mas Toy, não... —O Pietra? Tem ali um restaurante na Ajuda! Chama-se o "Pietra"! Tá a ver a [descrição pormenorizada da localização do Restaurante "Pietra", que não é propriedade do Pietra] E com esta sugestão gastronómica a criatura achou que as energias cósmicas estavam de novo reequilibradas e que as nossas dívidas estavam saldadas e lá me deixou seguir o meu caminho enquanto reflectia na melhor maneira para garantir um stock confortável de moedas de cinquenta cêntimos na carteira. 1 - Minervino José Lopes Pietra, jogador do Sport Lisboa e Benfica de 1976/77 a 1985/86 Labels: arrumador, Benfica, ética do asfalto, Pietra, Toy
[ as4coisinhas]: Oh Calvin, repareste que com os nervos ninguém conseguiu comentar? Beijinhos de nós
[ Hobbes]: Se soubessemos que nos darias 2 euros, ou quatrocentos paus, já to tinhamos dito há mais tempo...
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