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Entrei na loja e perguntei se tinham o artigo. Fui informado de que «costumamos ter, mas por acaso agora não temos». A sentença foi confirmada pelo computador que comprovou matematicamente a nula e redonda quantidade em stock. Em jeito de conforto, foi-me sugerido «vá passando». Esta frase ficou a ecoar-me na cabeça. Vá passando. Passou-me pela cabeça que é uma coisa muito portuguesa, o passar. Uma ida ao dicionário reforça a minha sensação: passar tem 19 entradas como verbo transitivo, 9 como verbo intransitivo, duas como verbo reflexivo, uma como verbo intransitivo. Já não passamos sem o passar. Passamos o tempo em vez de o usar. Fazemos passatempos quando passamos férias. Metade do país deve ter passaporte à conta de umas férias na Tunísia. No fim do mês passamo-nos da cabeça, dos carretos, com tudo e com todos, na bicha para comprar o passe (onde há passageiros e passadores) e onde há sempre alguém a querer passar à frente, como em qualquer bicha. Invariavelmente, as bichas cruzam-se com locais de passagem, a não ser que se trate de uma bicha numa passagem de nível - designação lisonjeira, já que depois de passarmos, é sabido que estamos exactamente no mesmo nível. Portugal é mesmo assim; passamos de nível e ficamos na mesma. Somos passivos, somos mestres do passo lento, por muito que tentemos acertar o passo com os outros. Passamos a vida a dizer e a esperar ouvir «desta vez passa» até nos habituarmos. Até as dores passam, ou vão passando. Cumprimentamo-nos com um passou-bem. Não temos informação nem divulgação de nada porque confiamos no passa palavra. Não lemos livros, mas lemos passagens. Durante o fim-de-semana damos os passeios dos tristes e durante a semana estacionamos no passeio mas nunca na passadeira. Apesar dos galicismos, continuamos a ter passagens de ano com as tradicionais passas de uva onde damos umas passas num charro. A seguir ao caldo verde lá vamos bêbedos que nem uns cachos para a estrada passar alguém a ferro. Passamos o tempo a falar no passado, que antes é que era (e devia ser mesmo, para ter que haver um mais-que-perfeito). Em todo o caso somos um país completo: ou alguma coisa se passa ou não se passa nada. Se Portugal jogasse poker, passaria sempre, medroso. Não é de admirar, muitos dos jogadores já passaram de validade e graças a eles passa-nos tudo ao lado. E se acharam o post estranho, não se preocupem: isto passa-me.
[ ]: eu passo, tu passas, ele passa, nós passamos, vos passais, eles passam, passam em passadios, paços e passagens, meros passistas de uma vida de passagens (ou singularmente), passivos de serem (tanto ultra como intra) passados por tudo e todos, uns passam e outros não querendo passar acabam por fazelo, o importante é passar (por cima, por baixo, ao lado, rentinho, ao res vez, á tangente, em paços, passageiramente, aos saltos aos pulos ou ate aos trambolhoes, ontem, hoje e amanha, directa e/ou indirectamente)
[ C.]: Que a imaginação não seja passageira, caro amigo! É dos teus melhores posts dos últimos tempos :P
[ ]: Tanto tempo sem passar! Passei hoje... e verifico o que não me surpreende: a tua genialidade não passa. :o)
[ ]: Ai passa, passa... de post em post! :P E, já agora, destroque-me lá aí essas letras s.f.f. que torcadas já elas estão...
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