Add http://ummundomagico2.blogs.sapo.pt to your Kinja digest


[Do som mais sujíssimo que anda aí] 
>Three-Way 
>Magnetic Fields
 

Autoria
 
    Calvin
        Calvin
        bloggercalvin
        arrobaguêmeilepontocom

 
Contribuições
 
    Astronauta Spiff
        Astronauta Spiff
 
    Homem Estupendo
        Homem Estupendo
 
    Hobbes
        Hobbes

   

 

5ª Dimensão (no mínimo)



Supondo que há uma distribuição uniforme dos azares quotidianos por todas as pessoas que têm um quotidiano e tendo em conta que toda a gente (sem excepção) acha que no supermercado tem o azar de calhar na caixa mais demorada, somos obrigados a concluir, via reductio ad absurdum, que as pessoas que vemos nas outras filas ou simplesmente não existem ou não estão em fila nenhuma, encontrando-se por mero acaso de carrinho cheio e em fila indiana.

Julgava eu que esta dedução fosse inbeliscável até que na 4ª-feira me deparei no Pingo Doce com uma criatura que era simultaneamente o foco da lentidão que se fazia sentir na minha fila e uma figura que (quero acreditar) não existia.

Faltavam duas horas para o início do Benfica-Celtic e a tal criatura encontava-se à minha frente na fila do Pingo Doce para pagar a zurrapa mais ordinária que havia naquele supermercado. A garrafa mal tinha rótulo, mas notava-se que era tinto. Menos tinto era o preço da dita, intraduzível pelos infra-vermelhos que bombardeavam a supra-citada sem lhe toparem a pinga.

Se em noite de jogo do Benfica há infra-vermelhos que não reconhecem vinho tinto, alguma coisa está mal. E que estava alguma coisa mal, bem sabiam as funcionárias do Pingo Doce, que de um lado para o outro procuravam sem sucesso nas prateleiras alguma garrafa igual à que, irredutivelmente ilegível, retinha a clientela no sítio do costume.

No meio deste virote, o enólogo, ostentando modos e vestes modestos, empregava um despudoradamente honesto palavreado popular, tanto no léxico como no sotaque, como ficou bem patente na conversação que se desenrolou então na chamada de telemóvel que atendeu naquele momento. Ao mesmo tempo, a funcionária destacada para tentar encontrar o código de barras perdido pergunta à laia de sugestão se «o senhor não quer levar outra». Eu dava-lhe uma e outra ainda, mas o senhor está de gargalo ao telefone, perfeitamente alheado dos olhares homicidas dos clientes que esperam atrás dele.

No meio da confusão, uma cliente com um só artigo tenta passar à minha frente, que também tenho apenas um artigo. Chamo a atenção à empregada que, com um olhar bovino, regista relutante a minha compra. Enquanto pago, vejo jazente a problemática garrafa e ouço o distraído comprador, berrando ao telefone, tentando elevar a voz no meio do murmúrio impaciente da turba enfurecida pela espera: «Queres que tire um frango da arca? E leve para o meu gabinete? Han? Num oiço! Tá aqui muito barulho, é por causa do Benfica... É o Benfica!»

Não. Não pode ser só o Benfica. Tem que ser muito mais do que isso.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?